Facto. (8)
No dia em que me fizeste chorar por ti, era o dia em que devia ter-te deixado num canto, a apodrecer.
Já lá vai o tempo, já lá vão as dores.
No dia em que me fizeste chorar por ti, era o dia em que devia ter-te deixado num canto, a apodrecer.
Já lá vai o tempo, já lá vão as dores.
À minha frente vejo vidas cruzadas, onde uma rapariga de estatura média e gorda, de aspecto pegajoso e sujo, exibe na sua mão o seu belo cigarro. Ah, vidas dadas a vícios! Rapariga, rapariga, tão feia e carnuda és. Tens aspecto reles mas nem queres saber. Deitada no sofá vermelho parece um corpo ainda mais mole do que o que aparenta ser. Tem tão pouca vida para dar que até me dá sono a mim, espírito inquieto. Está doente ou faz por estar e, no meio da insanidade mental e da roupa suja, bebe um trago de vinho. Mal lhe vejo a garganta. Sei que se regalou pelos seus olhos, que desta vez se mostraram vivos e brilhantes. Deixo-a em paz, no meio da sua própria sujidade, enquanto me encontro em ti e me agarro ao pedaço de desejo que trazes contigo. Perdia-me em ti hoje, amanhã e até à eternedidade das nossas vidas. És apetecível, meu amor, e por ti trocava todas as dentadas de amor e de desejo que me oferecessem.
Lá ao longe, há uma casa. E dentro dessa casa ouve-se o tocar de um velho gira-discos. Daqueles impiedosos que já tremem da idade, que teimam em não resistir, em não deixar de exercer a sua função. Nesse gira-discos toca a banda sonora de uma paixão perdida, de um amor que deu o afecto que tinha a dar e roubou os beijos de quem os queria dar. Mal os pequenos porcos sabem, mas o gira-discos continua a tocar para embalar a dor da mãe que perdeu uma vida ou duas. Perdeu ou roubaram-lhe, que não se perde amor assim.
Apodrece a carne, uma vez mais. Agarram-se ao vinho, ao tabaco, aos clichés viciosos de que tanto se fala.
É triste, ver casa assim. Vê-se de longe a debilidade da mente e do corpo e o rosto choroso de quem sofre. Melodramas, dizem as vozes que me chegam aos ouvidos.
Por saber do que falam, respeito.
Por mim, pedia-lhe mais uma vez a mão para dançar, só uma última vez. É tentação, é carne, é pecado. É a maldita da vontade.